terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Imprevistos

Sempre gostou de ter tudo organizado. Abria o armário e ali estavam as camisolas dobradas por cores, do mais claro ao mais escuro, num dégradée perfeito. As calças de um lado, os fatos do outro, as camisas sempre impecavelmente passadas a ferro.

Tudo nele era certinho e arrumado. O risco no cabelo, nem ao centro nem demasiado ao lado, o sorriso, nem muito expressivo nem de circunstancia, o nó da gravata ao meio, o apertar de mãos sempre na medida certa, os sapatos engraxados e o primeiro botão, só o primeiro botão, do fato apertado.

O tempo sempre cronometrado ao segundo para chegar ao trabalho sem um cabelo fora do sítio, sem correr e sem ter de esperar pela hora certa. Às 9h em ponto la estava ele, cartão de ponto na mão e andar decidido. Os dias sucediam-se na calma perfeita de uma to-do list na agenda com intervalos apropriados entre cada acontecimento e nada de imprevistos.

E por isso, quando ela chegou, metade arco-íris, metade vendaval, como um rodopio de vento e sol que lhe trocava os sentidos e lhe desalinhava o cabelo sem pedir licença e ainda lhe disse: "Posso contar-te um segredo? Não faço ideia do que estou a fazer"... ele, claro, não percebeu.

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