quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um dia...

Hei-de ser capaz de viver sem ter sempre o coração nas mãos...

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Fácil

Saiu do trabalho a correr. Tentou despachar-se, mas como sempre, o chefe, oportuno, tinha arranjado o pincelzinho de última hora. O sitio era perto mas, naquele momento, a avenida parecia-lhe demasiado grande. Era tudo a descer e desceu tudo a correr. Gente que parecia vir de todos os lados, o telemóvel na mão a contar os minutos, o iPod nos ouvidos, mais para fazer ruído e tapar a agitação da rua do que para ouvir o que fosse, e as mãos apertadas, com as unhas cravadas nas palmas até doer mas sem sentir dor. Um semáforo... espera... a polícia que resolve controlar o trânsito no pior dos dias... 2, 3 minutos e volta a correr outra vez... Atravessa as últimas duas ruas sem prestar muita atenção e sobe as escadas... 19h25... cinco minutos antes. Respira fundo e olha à volta. Nada, como seria de esperar. Escolhe um sítio,

"Que mais dá, se são todos iguais?"

Dá uma volta e outra, e senta-se. A música mais alta e um vulto ao longe... 19h38... é? é? é? não é... Fotografias,

"Não quero sair em nenhuma fotografia..."

artistas e desenhos a carvão e em nenhum deles estavas.

19h46... mãos nos joelhos, cabeça baixa e resignação.

"Não vem, não está, em quatro minutos acaba."

Suspiro e lágrimas e um levantar de cabeça. E vê-te ao longe. E aproximas-te e nem dizes nada. E só lhe agarras no braço e apertas com força o seu corpo contra o teu e dizes-lhe que estás ali, que vieste e não vais embora, que tudo isto é uma loucura mas das boas, das que vincam na alma e que percebeste tudo, até o silêncio, e que vais deixar que mergulhe na tua vida como mergulhou agora: de cabeça e sem bóias nem salva-vidas, mesmo que não saiba nadar porque não deixas que se afunde, prometes. E ris-te e ainda não acreditas no que aconteceu e que alguém seja louco de atirar-se a este ponto.

Mas atirou-se. Tinha medo mas, por uma vez, não lhe deu ouvidos. E correu avenida abaixo de coração apertado e mãos fechadas. E esperou e tu vieste. E agora estais aí e não sabeis bem que fazer com tudo isto que se vos escapou das mãos. Com a ameaça de felicidade que não quisestes reconhecer num primeiro momento. Com a certeza de que é uma coisa boa mas que quase estragais com tanto medo e tanto pensar. E agora estais aí, deitados na relva até anoitecer. E tu apareces todos os dias e dás-lhe a mão e deixas-te levar.



Let´s go back to the start

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Vivo

“(...) tinha 36 anos, e lembro-me por isso mesmo, porque foi o ano da minha vida em que me senti mais novo. Nem aos 25, nem aos 21, nem aos 18. Foi aos 36 anos de idade que eu me senti eternamente jovem, quase imortal ou, mais arrepiante ainda, indiferente à própria ideia de morte. E, se eu era jovem, tu, a meus olhos, eras a própria juventude. Tudo em ti, não apenas os teus absurdos 21 anos: a própria maneira um pouco estouvada de caminhares, como se ainda não tivesses aprendido bem a andar, a maneira de parares, virar a cabeça e sorrir por cima do ombro, os teus ares de menina pequenina que precisa de ser embalada, que alternavas com vãs tentativas de pareceres mulher adulta e sabida (...)”

Miguel Sousa Tavares - "No teu deserto"
No final ela morre...