terça-feira, 20 de outubro de 2009

Fácil

Saiu do trabalho a correr. Tentou despachar-se, mas como sempre, o chefe, oportuno, tinha arranjado o pincelzinho de última hora. O sitio era perto mas, naquele momento, a avenida parecia-lhe demasiado grande. Era tudo a descer e desceu tudo a correr. Gente que parecia vir de todos os lados, o telemóvel na mão a contar os minutos, o iPod nos ouvidos, mais para fazer ruído e tapar a agitação da rua do que para ouvir o que fosse, e as mãos apertadas, com as unhas cravadas nas palmas até doer mas sem sentir dor. Um semáforo... espera... a polícia que resolve controlar o trânsito no pior dos dias... 2, 3 minutos e volta a correr outra vez... Atravessa as últimas duas ruas sem prestar muita atenção e sobe as escadas... 19h25... cinco minutos antes. Respira fundo e olha à volta. Nada, como seria de esperar. Escolhe um sítio,

"Que mais dá, se são todos iguais?"

Dá uma volta e outra, e senta-se. A música mais alta e um vulto ao longe... 19h38... é? é? é? não é... Fotografias,

"Não quero sair em nenhuma fotografia..."

artistas e desenhos a carvão e em nenhum deles estavas.

19h46... mãos nos joelhos, cabeça baixa e resignação.

"Não vem, não está, em quatro minutos acaba."

Suspiro e lágrimas e um levantar de cabeça. E vê-te ao longe. E aproximas-te e nem dizes nada. E só lhe agarras no braço e apertas com força o seu corpo contra o teu e dizes-lhe que estás ali, que vieste e não vais embora, que tudo isto é uma loucura mas das boas, das que vincam na alma e que percebeste tudo, até o silêncio, e que vais deixar que mergulhe na tua vida como mergulhou agora: de cabeça e sem bóias nem salva-vidas, mesmo que não saiba nadar porque não deixas que se afunde, prometes. E ris-te e ainda não acreditas no que aconteceu e que alguém seja louco de atirar-se a este ponto.

Mas atirou-se. Tinha medo mas, por uma vez, não lhe deu ouvidos. E correu avenida abaixo de coração apertado e mãos fechadas. E esperou e tu vieste. E agora estais aí e não sabeis bem que fazer com tudo isto que se vos escapou das mãos. Com a ameaça de felicidade que não quisestes reconhecer num primeiro momento. Com a certeza de que é uma coisa boa mas que quase estragais com tanto medo e tanto pensar. E agora estais aí, deitados na relva até anoitecer. E tu apareces todos os dias e dás-lhe a mão e deixas-te levar.



Let´s go back to the start

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