quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Agora não

"If I told you things I did before
told you how I used to be
would you go along with someone like me"

(Sim e sempre o soubeste.)
Nunca lhe assustou o teu passado, os erros de antes, a pessoa que eras e da qual tinhas tanto pudor em falar. Nunca quis saber. E achava graça à maneira embaraçada como falavas, como passavas a mão por cima das sobrancelhas ou pelo cabelo e ficavas estupefacto, a olhar para ela sem saber porquê.

-"Não sei porque raio te conto isto".

Olhavas para o lado, rias-te, passavas a mão pelo cabelo e abanavas a cabeça... Sempre.

Vistos de fora sempre seríeis um par estranho: ela, doce, delicada, amável, sempre com passos de bailarina e, ao teu lado, pequenina; tu, alto, meio bruto e ríspido, com mau feitio e mau humor crónicos. Ainda assim, vá-se lá saber porquê, entendíeis-vos. E éreis capazes de ficar horas a fio a conversar, sem ter de haver um fio condutor ou um sentido naquilo que dizíeis. Ela tirava de ti o lado mais meigo. Tu roubavas-lhe o sarcasmo e a ironia. E o tempo passava, quase sempre, depressa demais. E de fora ninguém entendia. E dentro também não. Porque tu achavas que ela era irreal e não podia existir e ia esfumar-se cedo ou tarde e ela achava que... ela não sabia o que achava.

"If you knew my story word for word
had all of my history
would you go along with someone like me"

(Sim, sabes que sim.)
Nunca quiseste acreditar que podia acontecer outra vez. Isto de te apaixonares sem sentido e sem razão. Aconteceu. De um dia para o outro. De tanta fuga e tropeção e tentativa e erro e um nos braços do outro e os dois de lágrimas nos olhos e um adeus e um pára e recomeça e quero-te mas não posso e posso mas não quero e não devo e os dois sem dormir. E risos. E não quero saber e amo-te e preciso-te e gosto-te e desespero e adeus. E angústia. E sufoco. E sozinhos os dois. E dúvidas por certezas e mais fácil e tão difícil. E um nó que não se desfaz. E vazio. E silêncio.

Aos poucos, o ar voltou a passar e a respiração voltou ao normal. E tu fazias a tua vida e ela fazia a dela. E os dois a arrastar o amor nas horas e nos dias. Ou isso ou a enlouquecer.

- "Esqueci-te".
- "Esqueci-te".
- "Não te esqueci".


E parecia que nunca ia passar e o peso sempre no peito. E os olhos a fechar e a mesma imagem no escuro.

E um dia o voltar atrás. E já não a mão pelo cabelo. Nem o sorriso ou a dúvida. E tu a voltares a ser quem foste. E ela a encolher. E copos e conversas e gestos e tu não és esse. E ela a encolher. E um ponto pequenino no fundo do bar e tu a agarrares-lhe a mão e ela a já não estremecer. E ela a querer desaparecer e já não igual, já não os mesmos. E tanta vontade de ser diferente e agora já é. E perdida. E vazio. E silêncio. E o aperto mas não o mesmo.

Nunca quis saber de quem foste, o que foste, o que fizeste, o que pensaste. Antes. E tu nunca acreditaste que ela podia gostar de ti assim. Agora. E orgulhar-se e querer-te para sempre. Assim. Tão inacreditavelmente opostos e contrários. E por não acreditares não exististe. Sempre o mesmo, sempre o voltar atrás e o medo de ser maior e o agarra e larga e deixa estar que eu sou capaz e não preciso. E precisavas. Mas não querias. E acabou.

2 comentários:

  1. Incrivelmente lúcido. Uma história triste num texto bonito.

    ResponderEliminar
  2. A Joana é assim: incrivelmente lúcida, triste e bonita! É por isso que escreve textos destes. Sou um dos seus leitores mais atentos.

    Agora as explicações para este ataque terrorista/amigável na caixa de comentários:

    1. A Débora é amiga da Rute, directora de marketing da Rádio Zero;
    2. A Rute lê o meu blog, eu leio o blog da Rute, a Débora lê o blog da Rute e, às vezes, o meu e comenta;
    3. O link do teu blog está no meu e agora tens a Débora a comentar-te.

    Fica tudo em família e assim é que é bonito!

    ResponderEliminar