terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Outra vez

Esta noite sonhei contigo. Estou cansada, preciso de dormir, mas voltei a sonhar contigo. O meu corpo tem esta capacidade estranha de rejeitar descanso quando mais preciso dele. Lembro-me de quando te deixava às quatro da manhã e caía na cama como se desmaiasse. O corpo, pesado, inerte, perdia os sentidos mal pousava a cabeça na almofada. Parecia que não ia abrir os olhos durante três dias seguidos. Mas três horas depois lá estavam as pálpebras a ceder. O corpo continuava pesado, mas a cabeça já ia longe, o cérebro contorcia-se com a tua imagem e a ideia de te ver horas depois enchia-me o peito sem me deixar respirar. Vinha o aperto, a falta de ar, a angústia e o corpo a pedir descanso.
“Dorme”

E o cérebro a lutar contra, a demorar-se no teu nariz e no teu sorriso.

E o corpo a arrastar-se de um lado ao outro da cama, pastoso, pesado, como se se quisesse fundir com o colchão e ser engolido pelos lençóis.

“Dorme”

E a maneira como acendes o cigarro sem me sair da cabeça,

“Dorme”

e tu a chegares o isqueiro ao cigarro e a chama a aparecer
,
“Dorme”

e a tua mão direita a tirar o cigarro da boca, os lábios juntos a deitar o fumo fora
.
“Dorme”

E depois a mesma mão pousada no volante, com o cigarro entre o indicador e o dedo médio, quase junto aos nós dos dedos,

“Dorme”

enquanto viravas o rosto e olhavas para mim, antes de passares a mão pela testa para desviares o cabelo.

(E esse momento, que durava só uns escassos segundos na realidade, na minha cabeça demorava uma eternidade, tal a exactidão com que era capaz de descrever cada movimento, cada expressão.)

E finalmente o corpo a ceder, ainda pesado, e as pálpebras a abrir, e os olhos cravados no tecto.
“Acorda”

E um sorriso que nem eu percebia e ficar mais duas horas assim, acordada, com o edredão até ao nariz e os olhos no tecto, à espera que o despertador tocasse.

E hoje voltei a sonhar contigo. Voltei a acordar com a boca seca e o corpo espesso. A reclamar descanso. E o cérebro sem lhe obedecer, a perder-se na tua imagem e nos teus braços que me apertavam com força.

E voltaste a estar a cinco centímetros de distância da minha boca. Nessa espécie de tortura boa que só nós entendíamos e que éramos capazes de prolongar até ao limite do impossível.

Esta noite sonhei contigo, dizia eu. Vinhas e era tudo fácil e perfeito, como sei que seria se viesses de facto. Vinhas e eu voltava a ser a miúda de antes, cheia de sonhos e ingénua e com a capacidade de acreditar intacta. Vinhas e fazias-me bem.

(Porque sempre me fizeste bem. Quando vinhas, quando estavas. Quando esquecias o mundo e aceitavas sem reservas que te sentias bem comigo.)

Hoje sonhei contigo e queria escrever-te outra coisa. Queria escrever-te qualquer coisa diferente, mais nova, menos batida. Mais racional. Mais distante e mais fria. Queria escrever-te o que devo, mas só me sai o que me apetece. Só me sai o que sinto. Só me sai que te adoro.

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